Raimundo

Raimundo
Raimundo , o Mundico

Considerações sobre o Teatro de Forma Animadas


O Teatro de Formas Animadas é o “Teatro da Coisa”. É o teatro que dá vida ao objeto e à matéria. Permite um jogo cênico interessante, onde o ator de carne e osso oferece o seu lugar de centro da comunicação teatral para as formas animadas. Os objetos deixam de ser simples adereços cenográficos e passam a ser os próprios agentes da ação dramática. Neste tipo de teatro, o ator pode transfigurar-se, transformando-se em um boneco, uma forma ou um simples objeto, para o qual não existem os limites da física. Pode ser deformado em sua característica antropomórfica. Pode ser sugerido em outra realidade – da matéria e do objeto, a quem tudo pode. Pode, portanto, ser novo e sempre original ao universo das artes cênicas.
 Uma série de estudos e teorias, entre as quais a da “Super Marionete”, sugere que o títere (denominação comum a todo boneco animado, por toda e qualquer técnica) possa ser o mais completo dos atores, capaz de vencer as leis da física ao tempo em que anula vícios e vaidades dos atores de carne e osso. O ator, no exercício de transferência de energia, e conseqüente recriação da vida, em palco, através de um corpo que não é o seu (e sim o objeto), terá, compulsoriamente, de rever e estudar, a fundo, cada um de seus gestos, não permitindo o automatismo dos movimentos, redescobrindo e valorizando aqueles que lhe serão essenciais em cena, o que lhe fará, possivelmente, desenvolver um rigor interpretativo bastante elevado.
           O Teatro de Formas Animadas ao colocar em cena, no lugar do ator, qualquer tipo de matéria como agente protagonista do discurso cênico, não reproduz em miniatura o teatro de atores, mas rompe o seu formato, ao desfazer com a física da constituição das coisas sobre o palco, estendendo a plausibilidade da cena para o inimaginável.  Por outro lado também se prestam à tarefa de desnudar a mais grosseira e engraçada caricatura humana, ou o seu lado mais lírico, em um paradoxo que continua a seguir o mesmo mecanismo de oposição do moderno/ancestral. Podemos dizer que criamos, desde sempre nas formas animadas representações de nós mesmos. E, ao associarmos nossas pequenas figuras (os bonecos), ao mundo, criamos releituras da vida. É um jogo que aprendemos desde cedo, desde nossas brincadeiras de crianças, desde tempos remotos, que seguiremos pesquisando e desenvolvendo ao longo de nossa existência.
O exercício de humanização das formas, inconscientemente, passa a fazer parte da natureza de todos nós, como mecanismos de representação, de entendimento e até mesmo de transformação de nossas características. Esse exercício poderá produzir em cena a rica caricatura presente, por exemplo, no universo dos clowns, ou então dos desenhos animados. Basta imaginarmos um personagem com feições exageradas, novamente rompendo com as barreiras das formas humanas. Pode-se criar um enorme e desproporcional olho, que “ultra- exagere” a transformação do ator, com ganchos em lugar de mãos, figuras humanas com meia dúzia de pés, e assim por diante, em infinitos exemplos possíveis, que transformem as ações humanas de forma inesperada, rompendo com a lógica e com conceitos conhecidos, para criar o trágico ou a cômico.
Ao mesmo tempo, pode-se conferir ao personagem o exercício físico que se queira, como, por exemplo, no nosso espetáculo, criar um personagem sem rosto, impossível ao “ator de carne e osso”, trazendo uma simbologia para cena. Permite-nos criar em cena um elefante a partir de caixas e outros objetos. Mas também podem-se criar momentos de extremo lirismo, ao fazer encher-se de vida, com graça e delicadeza, pequenas  silhuetas/sombras, que reproduzem  gestos ou emoções mais profundas. Novamente de forma paradoxal, no caso de se buscar o lírico, o exercício da transferência de vida do ator ao objeto depende de um sutil movimento imposto pelo primeiro, mas que confere ao segundo, como que em seu âmago, uma qualidade de vida que em muito parece extrapolar essa ação humana. Nesse tipo de exercício cênico, o boneco, a figura ou o objeto animado, acabará por adquirir vida, como que em um jogo de ilusionismo quase inquestionável, e que, por isso, talvez, revele do Teatro de Formas Animadas a sua faceta mais “assombrosa”, ao trazer à vida o que não é da vida, e talvez por isso, revelar a vida de forma extremamente poética.

 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MÁSCARA

A palavra máscara, inicialmente de origem italiana, designava uma criação fantástica, feiticeira e associada a manifestações diabólicas e em torno de um mistério; daí se tenha tornado com o Carnaval um tema de divertimento.  Durante muito tempo, foi exibida entre o oscilar do satírico e do sagrado, do terror e do risível, da verdade e da ilusão, da ameaça e da hilaridade.
A máscara foi utilizada ao longo dos tempos por vários povos e com diversas finalidades. Tendo sido utilizada como elemento decorativo, como por exemplo, as máscaras africanas de madeira que representavam deusas e gênios. E tinha como função representar o rosto dos vencidos, também como a crença e da transfusão espiritual. Também foi utilizada como acessório de festa, nomeadamente no Oriente em danças e procissões com intenção de se misturar o ritual e o divertimento. Muitas vezes, o dançarino encarnava um ou vários seres representando o tempo da criação.
No teatro grego, surge também como elemento figurativo em que as máscaras foram permitidas no palco e envergadas pelos atores que ressuscitavam os homens de outrora pela sua aparência espectral que a máscara confere a tais personagens vivas, desempenhando um papel dos antepassados, permitindo evitar a perigosa incorporação do morto vivo. As máscaras usadas no teatro chamavam-se personna, donde vem à palavra personagem para a figura representada.
A máscara nasce como uma necessidade, uma ideia para um jogo, uma deformação do próprio homem. É um fator essencialmente visual ligado, como todo fator estético, a uma premissa, a um núcleo moral. Considerando o rosto como espelho da alma, sede privilegiada da expressão humana, a máscara, nesse sentido, é um meio de identificação da personalidade, que revela as características interiores.
O anonimato que a máscara proporciona ao ator permite que ele faça descobertas como se fosse um indivíduo com vida independente, agindo num espaço vazio, totalmente livre de preocupações dos julgamentos sobre sua conduta. Desta maneira, o ator se permite uma liberdade que o leva a desenvolver um caráter moral completamente desenfreado.  A máscara não é somente um jogo de aspirações (como gostaríamos de ser; quais sensações que desejamos transmitir), mas também uma liberação do vínculo com a sujeição, o fingimento, o pudor, a timidez e a simulação. É como falar e agir com a segurança da impunidade.
Em outras palavras, a máscara cumpre a função moral da desvinculação dos esquemas habituais impostos pela sociedade em que vivemos. A questão é de importância fundamental na medida em que permite ao homem revelar sua natureza primordial, sua verdadeira essência. É como buscar profundamente, além e fora das convenções.
A máscara é um objeto de representação e ligação simbólica com o imaginário de um povo, capaz de estabelecer, através da sua utilização, uma relação de “presentificação” ou materialidade de arquétipos e do seu universo mitológico.

 MÁSCARA INTEIRA EXPRESSIVA 

Diferente da máscara tradicional, que cobre somente a face do ator, e da meia máscara, que cobre uma parte da face do ator e algumas vezes possibilitam a fala, a máscara inteira expressiva cobre por inteiro a cabeça do ator, impossibilitando a fala. Pelo seu caráter expressivo, diferente da máscara neutra - sem expressão alguma, já estabelece na sua moldura uma expressão do personagem, encerra um caráter, uma “personalidade”. O ponto de partida para se entender esse caráter é, sem dúvida, a relação concreta entre o ator e a própria máscara a partir da relação com suas formas concretas: traços, linhas e volumes.
A máscara inteira expressiva, com características humanas, exige do ator uma atenta preparação corporal, pois o obriga a representar um personagem com características físicas que a máscara apresenta. Cabendo ao corpo do ator toda a responsabilidade de expressão.
        Esse tipo de máscara possibilita trabalhar com o desafio da não verbalização. Este silêncio é responsável por uma consequente atividade interior amplificada, uma gestualização mais precisa e qualificada. Qualquer gesto, o menor que seja, amplia-se e ganha grande importância. Esse tipo de máscara, deve ser abordada como construtora e propulsora de uma forma de comunicação autônoma, em que o uso da palavra não se faz necessária e, ao se abrir mão da palavra, o silêncio se torna um instrumento para a construção de uma comunicação corporal que também pode ser considerada como uma forma de diálogo dramático.
Em “MUNDICO - Sonata Muda” a técnica será utilizada dentro de todas as possibilidades expressivas deste tipo de máscara, precisão no gesto, organicidade, autenticidade, espontaneidade, eficácia das ações físicas, capacidade de comunicação e força dramática para a criação do personagem principal Raimundo.
Através da aparente imobilidade, congelada, que se destaca na máscara, revela-se um movimento sem fim de sentidos e significações.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEATRO DE OBJETOS

O Teatro de Objetos é um teatro em que os protagonistas são objetos inanimados, nem um pouco realista. Trata-se de fazer do objeto, ou da coisa, o agente central da ação dramática. É um exercício de extrema riqueza, e curiosidade estética. Podemos dizer, ainda, que se trata da “metáfora da coisa”. Associa-se o objeto conhecido a uma nova ação, e assim configura-se um terceiro significado. O Teatro de Objetos o faz magistralmente bem, na medida em que toma um objeto, associa a ele uma ação inesperada para criar uma nova ordem interpretativa, em mecanismo criativo idêntico ao da metáfora.
Em “MUNDICO - Sonata Muda” a técnica do Teatro de Objetos será utilizada na transformação de caixas e outros objetos em personagens vivos, carregados de simbolismos, que terão relação direta em cena com Raimundo, como meio de concretização real e visível de seus desejos. As caixas são metáforas da memória de Raimundo.

MANIPULAÇÃO DIRETA

 Os personagens criados serão manipulados, inspirados no Bunraku, uma técnica tradicional de Teatro Japonês. Estes bonecos serão de manipulação direta, manipulado à vista da platéia, ou seja,  a manipulação se dá pelo contato direto da mão do manipulador com o boneco.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEATRO DE SOMBRAS

Trata-se igualmente de uma tradicional e conhecida técnica do Teatro de Formas Animadas, em que um tipo especial de figura plana em forma de silhueta, podendo ser solida ou vazada, é iluminada por trás, para projetar sua sombra em um telão semitransparente. Elas podem ser operadas por baixo, com varas, como no teatro javanês; com varas que ficam em ângulo reto com a tela, como nos teatros chinês e grego; ou por meio de cordões escondidos atrás dos bonecos como nas sombras chinesas. No entanto, o teatro de sombras não precisa se limitar às figuras planas, e nem à iluminação fixa. Ele pode lançar mão também de figuras tridimensionais, além de colocar a luz em movimento, criando imagens velozes e surpreendentes.
Em “MUNDICO - Sonata Muda” a técnica será utilizada para retratar e delimitar mundos e situações, hora diferenciando o real do imaginário, hora descrevendo o poético e delicado e em outros momentos agregando profundidade e beleza.